Canais iônicos dependentes de voltagem
Os canais iônicos dependentes de voltagem são um grupo de proteínas transmembrana que formam canais iônicos que alteram a permeabilidade celular em resposta a mudanças na voltagem da membrana. Esses canais iônicos possuem um papel fundamental no funcionamento neuronal, já que auxiliam na geração e na propagação de sinais elétricos (como potenciais de ação), devido à sua dinâmica conformacional e especificidade iônica.
Os canais iônicos dependentes de voltagem podem ser encontrados em três configurações:
- aberto/ativado (portão de ativação aberto, portão de inativação aberto)
- fechado/desativado/em repouso (portão de ativação fechado, portão de inativação aberto)
- permanentemente desativado/inativo (portão de ativação aberto, portão de inativação fechado)
Este artigo irá discutir os tipos e a fisiologia dos canais iônicos dependentes de voltagem.
Canais iônicos dependentes de voltagem |
Definição: Proteínas transmembrana que respondem a alterações da voltagem da membrana Propriedades: Dinâmica conformacional, especificidade iônica Unidades funcionais: Sensor de voltagem, poro, portões |
Canais de Na+ dependentes de voltagem |
Estrutura: Subunidade alfa (domínios I-IV, segmentos S1-S6), subunidades auxiliares Sensibilidade à voltagem: - Potencial de repouso (-70 mV) → portão de ativação fechado, portão de inativação aberto - Potencial limiar(-55 mV) → portões de ativação e inativação abertos - Pico da despolarização (+30 mV) → portão de ativação aberto, portão de inativação fechado Direção do fluxo: Influxo de Na+ Função: Fase de elevação rápida dos potenciais de ação, unidirecionalidade da propagação do potencial de ação (período refratário) |
Canais de K+ dependentes de voltagem |
Estrutura: Quatro subunidades alfa(segmentos S1-S6), subunidades auxiliares Sensibilidade à voltagem: Pico de despolarização (+30 mV) (abertura tardia) Direção do fluxo: Efluxo de K+ Função: Repolarização, hiperpolarização (fechamento tardio) |
Canais de Ca2+ dependentes de voltagem |
Estrutura: Subunidade a1 (domínios I-IV, segmentos S1-S6), subunidades auxiliares Sensibilidade à voltagem: Pico de despolarização (+30 mV) Direção do fluxo: Influxo of Ca2+ Função: Fusão de vesículas sinápticas com a membrana pré-sináptica e liberação de neurotransmissores/neuropeptídeos na fenda sináptica |
Canais de Cl- dependentes de voltagem |
Estrutura, sensibilidade à voltagem, direção do fluxo: Variável Função: Principalmente hiperpolarização |
- Unidades funcionais
- Canais de Na+ dependentes de voltagem
- Canais de K+ dependentes de voltagem
- Canais de Ca2+ dependentes de voltagem
- Canais de Cl- dependentes de voltagem
- Notas clínicas
- Referências
Unidades funcionais
Os canais iônicos dependentes de voltagem consistem em subunidades com domínios transmembrana, que são dispostos de forma a conter um poro central. Esse poro serve como uma rota para o influxo ou efluxo de íons através da membrana. O poro se abre ao íon selecionado porque os aminoácidos na estrutura do canal são sensíveis à carga. Todos os canais iônicos dependentes de voltagem são formados por três unidades funcionais principais:
- O sensor de voltagem, que detecta alterações no potencial de membrana. É formado por resíduos de aminoácidos carregados e altera sua conformação levando à abertura ou fechamento do canal em resposta a alterações da voltagem
- O poro, que atua como via de condução para a passagem dos íons. A seletividade iônica do canal é determinada pela composição dos aminoácidos do poro em conjunto com a carga e tamanho do íon.
- Os portões, que controlam a dinâmica de abertura e fechamento, dependendo do potencial de membrana. O portão de ativação tipicamente se abre em resposta à despolarização. Em alguns canais também há um portão de inativação.
Canais de Na+ dependentes de voltagem
A estrutura principal dos canais Na+ dependentes de voltagem é formada por uma subunidade alfa (α), com quatro domínios homólogos (I-IV), cada um contendo seis segmentos transmembranares (S1-S6). O segmento S4 atua como o domínio sensível à voltagem, enquanto os segmentos S5-S6 e o laço que os conecta formam o portão de ativação e o poro de condução de Na+. A região que liga os domínios III e IV forma o portão de inativação do canal. Apesar do funcionamento independente das subunidades alfa, elas podem também se ligar a proteínas auxiliares, como as subunidades beta (β), alterando a sensibilidade à voltagem, a cinética do canal e sua localização na célula.
Normalmente, a porção interna da membrana celular possui carga negativa durante o repouso. Isso ocorre graças à atividade da Na+/K+ ATPase, que transporta três íons Na+ para fora da célula e dois íons K+ para dentro da célula. A diferença de carga mensurada é de -70 mV, um valor conhecido como potencial de membrana de repouso. Qualquer alteração no potencial ao longo da membrana que torne-a menos negativa em relação ao meio externo é chamado de despolarização. A soma temporal e espacial dos potenciais pós-sinápticos graduados na superfície receptoras pode trazer a voltagem do potencial de membrana de repouso (-70 mV) até um potencial limiar (-55 mV). Quando a membrana celular sofre despolarização e atinge o potencial limiar, um potencial de ação é iniciado no cone axonal, a chamada “zona gatilho” do neurônio. Como um evento digital, os potenciais de ação são fenômenos “tudo ou nada”. Qualquer despolarização que não atinja o limiar não resultará em um potencial de ação. Estímulos mais intensos irão iniciar múltiplos potenciais de ação, mais frequentes, mas individualmente cada potencial de ação terá um pico na mesma voltagem (+30 mV).
Os canais de Na+ dependentes de voltagem estão presentes em altas concentrações no cone axonal, e são responsáveis pela fase de elevação rápida dos potenciais de ação. O domínio S4 sensível à voltagem contém arginina ou lisina carregadas positivamente em padrões repetitivos, voltadas para o citosol no estado de repouso. Conforme a membrana sofre despolarização, os aminoácidos carregados positivamente se movem externamente. Esse movimento determina alterações conformacionais e o portão de ativação se abre em resposta ao potencial limiar, permitindo a entrada de íons Na+ na célula. Em sincronia com o pico da despolarização a +30 mV, o portão de inativação se fecha, inibindo a entrada de íons Na+ adicionais na célula. Assim, o estímulo para o fechamento do portão de inativação também é a despolarização inicial. Entretanto, o fechamento é tardio, regulando o início e a duração do potencial de ação.
Uma vez que o potencial de ação tenha sido iniciado, um segundo potencial não pode se iniciar. Esse fenômeno é conhecido como período refratário, e possui duas fases:
- o período refratário absoluto, durante o qual a célula é incapaz de iniciar um potencial de ação, independente da intensidade do estímulo, já que os canais de Na+ dependentes de voltagem ainda estão ativados (despolarização) ou inativados (repolarização)
- o período refratário relativo, durante o qual um estímulo mais intenso que o usual pode iniciar um potencial de ação, já que os canais de Na+ dependentes de voltagem estão de volta à sua conformação de repouso, com o portão de inativação aberto, mas a membrana está hiperpolarizada.
O período refratário é fundamental para a unidirecionalidade da propagação do potencial de ação ao longo dos axônios até os terminais axônicos, eliminando a possibilidade de um potencial de ação se mover retrogradamente em direção ao corpo do neurônio.
A propagação dos potenciais de ação ao longo do axônio é diferente para cada estado de mielinização dos neurônios. Nos neurônios amielínicos, a condução é contínua ao longo de todo o comprimento do axônio, causando uma abertura constante em onda dos canais de Na+ dependentes de voltagem nas regiões adjacentes. Nos neurônios mielínicos, a condução ocorre em um padrão de condução saltatória. Os canais de Na+ dependentes de voltagem estão presentes apenas nos nódulos de Ranvier, onde a membrana dos axônios é exposta e, portanto, os potenciais de ação “saltam” de um nódulo a outro, transpondo as regiões mielinizadas. Esse padrão de propagação permite uma transmissão mais rápida e energeticamente eficiente.
Aprenda tudo sobre os canais iônicos e o período refratário com as unidades de estudo abaixo:
Canais de K+ dependentes de voltagem
Os canais de K+ dependentes de voltagem são formados por quatro subunidades alfa (α), cada uma contribuindo com um domínio transmembrana contendo seis segmentos transmembranares (S1-S6) e subunidades auxiliares. Assim como os canais de Na+ dependentes de voltagem, o segmento S4 atua como o domínio sensível à voltagem, e os segmentos S5-S6, juntamente com a alça que os conecta, forma o portão e o poro de condução de K+. O portão pode estar aberto, permitindo o efluxo do K+ intracelular, ou fechado, inibindo-o.
Canais de Ca2+ dependentes de voltagem
Os canais de Ca2+ dependentes de voltagem são heteromultímeros formados por uma subunidade a1 e subunidades auxiliares (a2-δ, β e γ), modulando a dependência de voltagem do canal e a cinética dos portões. A principal subunidade é a a1, com quatro domínios homólogos (I-IV), cada um contendo seis segmentos transmembranares (S1-S6), que consistem no poro de condução, no sensor de voltagem e nos portões (de forma semelhante aos canais de Na+ dependentes de voltagem) Os canais de Ca2+ dependentes de voltagem dos neurônios estão localizados principalmente nos terminais pré-sinápticos, e apresentam discreta permeabilidade aos íons Na+ (mil vezes menor do que aos íons Ca2+). Quando um potencial de ação (+30 mV) atinge o terminal axônico, os canais de Ca2+ dependentes de voltagem se abrem, levando a um influxo de Ca2+. O Ca2+ se liga a proteínas na superfície das vesículas sinápticas, facilitando a sua fusão com a membrana pré-sináptica. Isso leva à liberação de neurotransmissores ou neuropeptídeos por exocitose, que se difundem pela fenda sináptica antes de atingirem a membrana celular pós-sináptica, onde se ligam seletivamente aos seus receptores para exercer suas ações.
Canais de Cl- dependentes de voltagem
Há vários subtipos de canais de Cl- dependentes de voltagem. Nos neurônios, a abertura de canais de Cl- dependentes de voltagem é dependente do contexto, e sua sensibilidade à voltagem, bem como a direção do movimento de Cl-, varia de acordo com o contexto fisiológico e seu subtipo. Os canais de Cl- dependentes de voltagem frequentemente são ativados durante a hiperpolarização, contribuindo para os potenciais de membrana pós-sinápticos inibitórios (PPSIs). Isso faz com que ocorra um atraso na período que o neurônio leva para atingir o potencial limiar antes do disparo de um potencial de ação.
Ative sua memória e avalie seus conhecimentos sobre os diferentes tipos de canais iônicos com o teste abaixo:
Notas clínicas
Distúrbios genéticos envolvendo mutações de genes que codificam canais iônicos dependentes de voltagem são conhecidos como canalopatias. Essas condições afetam o fechamento e abertura, a condução ou a seletividade iônica desses canais. Problemas nos canais dependentes de voltagem comumente levam a distúrbios do sistema nervoso central (CNS) ou do sistema músculo-esquelético, como convulsões ou miotonia.
A ataxia episódica tipo 1 é um exemplo de uma canalopatia hereditária autossômica dominante rara. Ela está associada a canais de K+ dependentes de voltagem encontrados principalmente nas células em cesto cerebelares e outros interneurônios que formam sinapses inibitórias com as células de Purkinje. Essa canalopatia está ligada a mutações do gene KCNA1, que codifica uma classe específica da subunidade alfa (classe Kv1.1). Essas mutações resultam em hiperexcitabilidade das células pré-sinápticas e liberação excessiva de GABA. Isso, por sua vez, inibe a geração de potenciais de ação nas células de Purkinje, e, assim, reduz a sinalização inibitória do cerebelo. Pacientes com ataxia episódica tipo 1 apresentam ataques de ataxia (movimentos incoordenados), fraqueza muscular intermitente, tremores, disartria, vertigem, convulsões e miokimias interictais. Os sintomas podem ser iniciados por estresse emocional, extenuação física, movimentos súbitos ou mudanças na temperatura.
Drogas direcionadas aos canais dependentes de voltagem são usadas na prática clínica para controlar as crises convulsivas. Por exemplo, a fenitoína, um anticonvulsivante, atua bloqueando os canais de sódio dependentes de voltagem, e portanto obstruindo a retroalimentação positiva que sustenta os disparos repetitivos de alta frequência.
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